Por que os Leilões de Energia Nova minguaram? Sete motivos…

Não tenhamos pressa. Mas não percamos tempo. 

José Saramago

Os Leilões de Energia Nova (LENs) para aquisição de energia pelas distribuidoras de eletricidade foram inseridos no Brasil em 2004, com a Lei 10.848. Àquela época, o objetivo principal era garantir a expansão do sistema ao menor custo possível, em três passos: 

  1. As distribuidoras de energia realizam a previsão do consumo em suas áreas de concessão para até cinco anos à frente e declaram suas necessidades de contratação ao Ministério de Minas e Energia – MME. 
  2. O Ministério de Minas e Energia – MME, por meio da Empresa de Pesquisa Energética – EPE e da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, cadastram projetos de usinas que podem atender às necessidades das distribuidoras e estabelecem as regras de um Leilão que é realizado agora. 
  3. A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE operacionaliza o Leilão, os geradores que ofertarem energia aos menores preços sagram-se vencedores e assinam Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado – CCEARs para atender às necessidades futuras das distribuidoras, por períodos de 15 a 30 anos.  
Figura 1 – Explicando os Leilões de Energia em três passos.

Com esses CCEARs, em que as distribuidoras garantem o pagamento pela energia no futuro, os geradores conseguem financiar a construção das usinas e em 4 ou 5 anos elas estão prontas, gerando energia e atendendo ao crescimento previsto de consumo. 

Este mecanismo atraiu muitos investimentos e viabilizou a contratação de muitas usinas. Atualmente são mais de 90.000 MW de usinas viabilizadas por meio dos leilões de energia, o equivalente a mais de 6 usinas hidroelétricas de Itaipu, a maior do país. 

A cada ano, as distribuidoras realizam várias declarações para a compra de energia com 3, 4, 5 ou 6 anos de antecedência. São os chamados Leilões de Energia Nova A-3, A-4, A-5 e A-6. Conforme pode ser observado na Figura 2, nos últimos anos houve três leilões de A-6 (26º, 27º e 30º LEN), 3 leilões A-5 (21º, 23º e 35º), 4 leilões A-4 (25º, 27º, 29º e 34º) e 1 leilão A-3 (33º). 

O volume de energia contratado em cada leilão de energia nova pelas distribuidoras variou bastante, tendo o maior volume de energia sido adquirido em 2017, no Leilão A-6: 2.736,6 MWm, e o menor volume em 2019, no Leilão A-4: 81,1 MWm.  

Chama a atenção o ano de 2020, em que não houve contratação de energia nova pelas distribuidoras para entrega futura, e o ano de 2021, em que os três leilões realizados para adquirir energia com entrega 3, 4 e 5 anos à frente tiveram volumes contratados muito baixos: 99 MWm, 84,3 MWm e 151 MWm. 

Figura 2 – Energia contratada pelas distribuidoras nos últimos anos. 

Seria esta baixa contratação de energia pelas distribuidoras um fato isolado ou uma tendência estrutural, indicando uma mudança de mercado?  

Volt Robotics buscou as causas raízes desta tendência de baixos volumes no leilão de energia nova e identificou 7 motivos para afirmar que se trata de uma tendência estrutural, ou seja, é uma mudança de mercado e não devemos mais esperar que a oferta de energia cresça com base no consumo das distribuidoras, o chamado Mercado Regulado. Confira! 

1. Sete Motivos para a baixa contratação de energia nova 

Os Sete Motivos identificados pela Volt Robotics para explicar a baixa contratação de energia pelas distribuidoras nos Leilões de Energia Nova são ilustrados na Figura 3:  

  1. Usina marginal para entrega de energia em 2023. 
  2. Migração de Clientes para o Mercado Livre. 
  3. Expansão do Mercado Livre. 
  4. Crise Econômica. 
  5. Pandemia da COVID-19. 
  6. Expansão da Geração Distribuída. 
  7. Riscos de Repasse de Custos com a Aquisição de Energia. 

Cada um dos motivos é apresentado com mais detalhes na sequência.

Figura 3 – Sete Motivos para a baixa contratação de energia nova. 

1.1 Usina marginal para entrega de energia em 2023 

Em 2017, no Leilão A-6 (26º LEN), a necessidade total de energia declarada pelas distribuidoras foi de 1.375MWm, mas a contratação no leilão de energia nova foi praticamente o dobro: 2.736 MWm, tal como ilustrado na Figura 4. Ficam duas perguntas: por que isso ocorreu? Quais as consequências? 

Figura 4 – Necessidade das distribuidoras versus energia contratada no Leilão A-6 de 2017. 

Esta contratação de energia em volume muito superior à necessidade decorreu de uma regra dos leilões que até já foi alterada: a contratação integral da usina marginal. O que é isso? A energia a ser contratada em um leilão corresponde à soma das necessidades declaradas de todas as distribuidoras, representada na coluna azul da Figura 5.  

A coluna laranja, por outro lado, corresponde às ofertas dos geradores, que são empilhadas de acordo com o preço. A última usina a ser contratada, a usina marginal, é aquela que garante a totalidade do atendimento à necessidade das distribuidoras.  

O que ocorreu em 2017 é que a usina marginal era muito grande e alguns de seus lotes foram utilizados para garantir o atendimento à totalidade das necessidades das distribuidoras. Todos os demais foram contratados de forma compulsória pelas distribuidoras, de modo a garantir a viabilidade econômica da usina marginal. 

Figura 5 – Contratação da usina marginal. 

O resultado foi que as distribuidoras firmaram contratos em volumes muito superiores às suas necessidades, ficando sobrecontratadas de 2023 em diante. O excesso de contratos faz com que os leilões com início em 2024, 2025 e até 2026 não sejam necessários, explicando assim a baixa demanda observada nos Leilões de Energia Nova recentes.  

Este excesso de contratos até poderia ser considerado temporário, não fossem as demais causas para a baixa demanda no leilão de energia nova, explicadas na sequência. 

1.2 Migração de Clientes para o Mercado Livre 

As distribuidoras compram energia dos geradores com o objetivo de atender aos seus consumidores finais, os consumidores cativos, seguindo uma série de regras estabelecidas em Leis, Decretos e Resoluções da ANEEL. Trata-se do Mercado Regulado! 

Consumidores de grande porte, conectados às redes de alta e média tensão, podem comprar energia diretamente dos agentes de geração, em condições livremente negociadas. É o chamado Mercado Livre. 

Entre 2013 e 2015, empréstimos bilionários foram feitos para pagar o uso de termoeletricas devido a uma seca severa (veja um artigo da Volt Robotics sobre secas bilionárias!). 

Volt Robotics: Seca com custos bilionários

Em 2016, os empréstimos começaram a ser cobrados somente nas tarifas dos consumidores cativos. Logo, todo cliente cativo que podia se tornar livre experimentava uma economia de 20% a 40% no custo da energia. Todo mundo que pôde, migrou para o Mercado Livre. Conforme pode ser observado na Figura 6, o número de consumidores modelados na CCEE cresceu 83% em 2016; nos quatro anos seguintes, o crescimento teve a mesma ordem de grandeza: 90%. 

Figura 6 – Número de consumidores no mercado livre. 

Mas o que isso tem a ver com o leilão de energia nova?  Em 2016 estavam sendo iniciados contratos originados nos Leilões de Energia Nova de 2011 (A-5) e 2013 (A-3); naqueles anos as distribuidoras compraram energia para atender a todos os seus consumidores, mas grande parte deles agora estavam para o Mercado Livre. 

Com os contratos firmados e sem o consumo previsto, as distribuidoras apresentaram grandes sobras de energia em 2016 e nos anos seguintes. Trata-se de uma sobrecontratação generalizada e considerada involuntária, pois a migração dos consumidores decorreu de causas que não foram dadas pelas distribuidoras.  

Mas o ponto é: com sobra de contratos, as distribuidoras não precisam declarar novas necessidades nos Leilões de Energia Nova! 

1.3 Expansão do Mercado Livre 

Como já explicado, as distribuidoras adquirem energia no leilão de energia nova para atender aos consumidores cativos, ou seja, aqueles que não podem comprar energia no Mercado Livre ou que, mesmo podendo, decidiram permanecer comprando energia no Mercado Regulado.  

Ocorre que atualmente já existe previsão legal e regulatória para a expansão do Mercado Livre, com a permissão de que consumidores cada vez menores possam escolher os seus fornecedores de energia, tal como ilustrado na Figura 7

Figura 7 – Expansão do Mercado Livre. 

Com a expectativa de mais consumidores migrando para o Mercado Livre, as distribuidoras simplesmente não precisam de novos contratos. Logo, não há motivos para as distribuidoras participarem dos Leilões de Energia Nova. 

1.4 Crise Econômica 

Desde 2014, o Brasil tem passado por uma série de crises econômicas, decorrentes em grande parte do desequilíbrio das contas públicas e da ausência de reformas modernizantes na economia. Como resultado, a carga de energia se estagnou no Brasil, particularmente no Sistema Interligado Nacional (SIN), composto por todos os estados, exceto Roraima.  

A estagnação é apresentada na Figura 8, que traz a Carga de Energia do SIN, obtida a partir do site da internet do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). 

Figura 8 – Estagnação na carga de energia a partir de 2014. 

A estagnação da economia traz duas consequências para os Leilões de Energia Nova: 

  1. Sem a previsão de crescimento econômico, também não há previsão de crescimento no consumo de energia. Logo, não há necessidade de contratar novas usinas e a demanda dos Leilões de Energia Nova desaparece; 
  2. Nos anos de 2014 a 2018 (ou mesmo 2019), entraram em operação usinas contratadas entre os anos de 2009 a 2013, em que a crise econômica não era visualizada. Ou seja, as distribuidoras previram um crescimento de mercado, contrataram energia, e o mercado não cresceu. Logo, esses contratos novos representam sobras de energia e, havendo sobra, não há a necessidade de contratar novas usinas.  

1.5 Pandemia da COVID-19 

No início de 2020 a economia dava sinais de crescimento robusto, com as projeções de PIB de 2020 em torno de 2,3%. Mas aí veio a pandemia da COVID-19 e o consumo de energia elétrica se reduziu muito nos meses de março a junho, iniciando uma retomada a partir de julho. 

Na Figura 9 apresentamos o consumo de energia dos consumidores cativos em 2019 (área alaranjada); em 2020 (área cinza); e em 2021 (linha alaranjada com os pontos pretos). Podemos observar que ainda em 2021 o consumo de energia se apresenta em níveis inferiores a 2019. Ou seja, a pandemia representou um atraso superior a dois anos no consumo de energia.  

Figura 9 – Redução do consumo de energia na pandemia da COVID-19. 

Novamente, ao enxergar um consumo menor e extrapolar este comportamento para o futuro, as distribuidoras não identificam a necessidade de contratar novas usinas, justificando assim a menor demanda nos Leilões de Energia Nova. 

1.6 Expansão da Geração Distribuída 

A energia solar fotovoltaica tem apresentado um crescimento exponencial no Brasil, tanto em termos de número de instalações como em termos de produção de energia, tal como ilustrado na Figura 10 e na Figura 11

Figura 10 – Número de instalações de geração distribuída. 
Figura 11 – Energia produzida pelos parques de geração distribuída. 

De forma geral, a geração distribuída significa que os consumidores estão gerando sua própria energia; logo, a distribuidora não precisa ir a leilões e comprar energia para esses consumidores que são auto atendidos. 

Muitos afirmam que o volume de energia é pequeno e, portanto, o efeito é desprezível. Trata-se de um enorme engano, pois o crescimento é exponencial: em um curto intervalo de tempo, o que é pequeno torna-se muito relevante. 

Considerando a tendência atual de crescimento, em 2026 a Geração Distribuída poderá representar de 12% a 15% do consumo de energia do Mercado Regulado. De acordo com a Figura 12, em 2015 esse percentual era praticamente nulo; em 2021, 3,6%; e em 2026, de 12% a 15%, tal como mencionado. 

Figura 12 – Crescimento exponencial da participação da geração distribuída. 

Se a distribuidora participa do Leilão de Energia Nova para adquirir energia para suportar o crescimento de consumo do Mercado Cativo, mas os consumidores estão produzindo a própria energia que consomem, não há motivo para a distribuidora participar do Leilão! 

Ressalta-se que a tendência de 12% a 15% é conservadora. Com a crise hídrica atual, com os custos altíssimos das Bandeiras Tarifárias e das termelétricas super caras e poluentes, os consumidores estarão cada vez mais econômica e ambientalmente motivados a produzirem a própria energia, ainda mais se ela for renovável. 

1.7 Riscos de Repasse de Custos com a Aquisição de Energia 

Finalmente, é importante observar que participar de um Leilão de Energia Nova representa um compromisso muito relevante para as distribuidoras, pois assumem a aquisição de energia por períodos de 15 a 30 anos, em um ambiente de alta incerteza.  

 Se as incertezas econômicas e institucionais forem somadas a possíveis incertezas regulatórias, as distribuidoras tenderão a não contratar energia. 

E no contexto atual, infelizmente, há incertezas importantes quanto ao repasse de custos de compra de energia nos leilões, tal como ilustrado na Figura 13. 

A primeira incerteza trazida se refere ao repasse de custos da sobrecontratação. Apesar dos inúmeros eventos que citamos em que há sobrecontratação por parte das distribuidoras, tais como a migração para o Mercado Livre em 2016, a expansão do Mercado Livre, a contratação da usina marginal, ou mesmo o forte crescimento da geração distribuída etc., ainda não há regras claras aprovadas para tratar o repasse de custos da sobrecontratação.  

Entre contratar e elevar o risco de repasse de custos com sobrecontratação, e não contratar, muitas distribuidoras decidem não participar dos Leilões de Energia Nova. 

A segunda incerteza se refere aos contratos das distribuidoras com a usina hidroelétrica de Itaipu. O volume de energia supera 6.000MWm, o contrato vence em 2023, e até o momento as distribuidoras não sabem se vão ou não continuar a ter a energia de Itaipu, se o volume vai ser alterado entre as distribuidoras, se haverá custos em R$ ou em US$ etc. Novamente, com tamanha incerteza, por precaução, melhor não adquirir novos contratos de Energia Nova. 

A terceira incerteza se refere aos contratos de cotas de energia. O volume de energia é da ordem de 10.500MWm e os contratos devem ser progressivamente reduzidos, em prazos ainda desconhecidos e sem um tratamento de mercado para eventuais desequilíbrios. Mais uma vez, na dúvida, não contrate. 

Figura 13 – Incertezas e riscos de repasse. 

Conclusões e Precauções 

O modelo de contratação de energia pelas distribuidoras apresenta sinais evidentes de esgotamento, com sobras de contratos de energia, incertezas regulatórias no repasse de custos e tendências estruturais de redução de consumo. 

A expansão da oferta de energia viabilizada pelo consumo do Mercado Regulado acabou! Não se trata de opinião, mas sim de um fato! Precisamos reconhecer o que os números estão a nos dizer… 

Neste contexto, as empresas de geração que possuem um olhar para o futuro estão desenvolvendo produtos e promovendo modelos muito robustos de financiamento para atenderem de forma direta aos consumidores finais de energia.  

Algumas têm se concentrado em grandes clientes e em contratos relativamente longos, semelhantes aos celebrados em Leilões, enquanto outras estão estruturando grandes áreas comerciais e de marketing para viabilizar as novas usinas por meio do mercado de varejo, com consumidores menores e prazos contratuais mais curtos.  

Trata-se de soluções de mercado que aliam sustentabilidade, preços competitivos e o início da diferenciação entre consumidor e cliente. É o surgimento de uma nova relação das pessoas com a energia! 

Os Leilões de Energia centralizados e regulados devem ser substituídos por liberdade aos consumidores, com comercializadoras atacadistas ou varejistas adquirindo energia para todos seus clientes via contratação bilateral. Aquelas que “descobrem” produtos mais adequados às necessidades dos clientes conseguem os melhores negócios, agregam mais valor e aumentam seus resultados. 

Os leilões ainda podem existir, mas com foco na garantia do suprimento de energia em momentos de pico, ou na prestação de serviços necessários ao bom funcionamento do sistema. Nesse contexto, podem participar inúmeras soluções: usinas termoelétricas, usinas renováveis, redução de consumo, soluções de armazenamento etc. Basta garantir que, quando necessário, as ofertas realizadas nos leilões serão cumpridas, sejam elas de aumentar a geração ou de reduzir o consumo, regular a frequência, controlar a tensão etc. 

O objetivo final deve ser trazer ganhos reais de produtividade, com reduções reais de custos e evitando o pagamento de encargos e subsídios bilionários via Conta de Luz.  

Os incentivos regulatórios devem ser inteligentes a ponto de fomentar benefícios individuais que promovam ganhos sistêmicos. Você ganha e incentiva que outros também ganhem! Se inspirando em mercados maduros, com muita pesquisa e análise, desenvolvendo modelos robustos e, sempre com um olhar fundamentalista, com fatos e dados, soluções inovadoras podem ser implementadas… 

Quer saber mais?  Converse com a Volt Robotics

www.voltrobotics.com.br 

contato@voltrobotics.com.br 

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