MP 1300: As Mudanças Estruturais que Poucos Estão Comentando
A Medida Provisória 1300/2025, publicada em 21 de maio de 2025, representa uma das mais amplas reformas do setor elétrico brasileiro desde o Novo Modelo do Setor Elétrico, de 2004. Enquanto os debates públicos têm se concentrado nos três pilares principais da MP — justiça tarifária, liberdade para o consumidor e equilíbrio para o setor —, diversos aspectos técnicos e estruturais igualmente relevantes seguem em segundo plano nas discussões.
Tarifas Inteligentes: A Revolução Silenciosa na Cobrança
Uma das mudanças relevantes da MP 1300 está no artigo 3º da Lei nº 9.427/1996 (art. 2º da MP), que amplia de forma significativa as competências da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica para criar e implementar novas estruturas tarifárias. Essa medida sinaliza um passo importante na modernização da precificação da energia elétrica no país.
A MP introduz cinco principais modalidades tarifárias:
- Pré-pagamento: permite que o consumidor pague pela energia antes de consumi-la, semelhante ao modelo da telefonia móvel.
- Tarifa por capacidade: divide a conta em uma parcela fixa (disponibilidade da rede) e uma variável (consumo efetivo).
- Tarifa por área: aplica preços diferenciados em regiões com altos índices de perdas não técnicas e inadimplência.
- Tarifas locacionais, técnicas e de qualidade: consideram aspectos técnicos, geográficos e de qualidade do fornecimento, desde que transparentes e não discriminatórios.
- Tarifas diferenciadas por horário: estimulam o consumo fora dos períodos de pico, por meio de preços mais baixos em horários de menor demanda.
O §10º ainda concede à ANEEL competência para tornar essas modalidades obrigatórias para determinados grupos ou regiões, sempre que tecnicamente justificado.
A adoção dessas modalidades promove uma alocação mais eficiente dos custos do sistema, permite ao consumidor gerenciar seu consumo de forma mais estratégica e melhora a precificação dos serviços prestados, refletindo melhor os custos reais de fornecimento.
Por outro lado, surgem desafios significativos. Há um risco real de que modelos mais sofisticados de tarifação — como tarifas por capacidade ou por horário — possam ser de difícil compreensão para uma parcela relevante dos consumidores. Isso exige um esforço regulatório robusto em educação, transparência e comunicação. Além disso, há riscos de exclusão digital, particularmente em modelos como o pré-pagamento, que pressupõem acesso a meios digitais.
Do ponto de vista social, há também a preocupação com a equidade, especialmente para consumidores de baixa renda ou em regiões com maior vulnerabilidade socioeconômica, que podem ser mais sensíveis a mudanças no modelo tarifário e menos capazes de responder aos sinais econômicos.
A Transformação da CCEE: Novos Mandatos e Responsabilidades
A alteração do nome da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE para Câmara de Comercialização de Energia (CCEE) reflete uma transformação estrutural no escopo de atuação da instituição.
Ampliação das Competências: Mais do que um Novo Nome
A MP 1300 acrescenta os parágrafos 10 a 14 ao artigo 4º da Lei nº 10.848/2004, estabelecendo um novo marco regulatório para as responsabilidades da CCEE. A CCEE passa a ter competência expressa para monitorar seus associados e as operações do mercado, representando uma expansão significativa de suas funções de supervisão.
A MP 1300 amplia substancialmente o mandato da CCEE, que passa a ter competência formal não apenas sobre o mercado de energia elétrica, mas também sobre outros mercados de energia, como gás natural e, potencialmente, hidrogênio ou certificados de energia.
Essa expansão tem implicações estratégicas importantes. De um lado, ela permite a integração entre diferentes mercados de energia, favorecendo sinergias operacionais, comerciais e regulatórias. De outro, exige uma profunda revisão dos processos internos, dos sistemas de governança e dos mecanismos de supervisão da CCEE, para garantir que a expansão não comprometa sua função principal: a operação segura, transparente e eficiente do mercado de energia elétrica.
A obrigatoriedade de separação administrativa, financeira e contábil das atividades tradicionais em relação às novas frentes de atuação busca mitigar riscos de conflitos de interesse, mas também traz desafios operacionais, tecnológicos e de fiscalização.
Responsabilização dos Agentes: Uma Mudança Cultural no Mercado
A MP também estabelece um regime mais rigoroso de responsabilização, tanto para a própria CCEE quanto para pessoas físicas ou jurídicas contratadas para atividades de monitoramento, em casos de dolo ou culpa grave. Além disso, há responsabilização direta dos administradores dos agentes setoriais por atos dolosos, culpa grave ou infrações legais.
Essa mudança não é apenas jurídica — ela carrega uma dimensão cultural e comportamental. Até aqui, o mercado conviveu com uma percepção de que os riscos regulatórios e operacionais estavam, muitas vezes, diluídos nas estruturas coletivas ou em arbitragens regulatórias. A responsabilização direta dos administradores gera um novo patamar de exigência sobre as práticas de compliance, governança e diligência dos agentes.
Por outro lado, essa medida também demanda clareza na definição dos critérios de responsabilização, evitando que haja insegurança jurídica ou penalizações desproporcionais que possam inibir a atuação de profissionais no mercado.
Mecanismo GSF: Uma Solução para Controvérsias Históricas
O Generation Scaling Factor (GSF) é um dos temas mais sensíveis do setor elétrico brasileiro, com impactos financeiros e jurídicos relevantes há mais de uma década. A MP 1300 propõe um novo mecanismo para mitigar os litígios relacionados ao risco hidrológico.
Vedação de Repactuação e Mecanismo Concorrencial
O parágrafo 13, incluído no artigo 1º da Lei nº 13.203/2015, veda novas repactuações do risco hidrológico após 12 meses da publicação da MP, com prazo até maio de 2026.
A proposta estabelece um mecanismo concorrencial, por meio do qual os agentes poderão negociar, via CCEE, os valores devidos no Mercado de Curto Prazo (MCP) em razão de ações judiciais sobre o GSF. Esse mecanismo prevê a emissão de títulos vinculados à extensão de outorga por até sete anos, desde que os geradores do MRE desistam das ações judiciais e renunciem ao direito discutido.
Com mais de R$ 1,13 bilhão em inadimplência no MCP associada ao GSF, essa medida busca contribuir com a desjudicialização do setor e maior previsibilidade financeira.
Custo do LRCAP: Novo Critério de Rateio e Seus Impactos
A MP também altera de forma expressiva os critérios de rateio dos custos da Reserva de Capacidade (LRCAP). A partir da nova redação, passa a ser considerado, além da demanda, o perfil de carga dos consumidores, ou seja, a intensidade do uso nos horários de maior demanda.
Esse modelo visa uma alocação mais justa dos custos, associando-os àqueles que efetivamente pressionam o sistema nos momentos críticos. Consumidores com perfis de consumo mais estáveis ou que evitam horários de ponta tendem a se beneficiar.
Por outro lado, grandes consumidores industriais, especialmente aqueles cuja operação é intensiva em energia e difícil de ser deslocada no tempo, podem observar um aumento significativo na sua participação no custeio da reserva de potência.
Essa alteração pode, portanto, servir como um indutor de mudanças no perfil de consumo industrial brasileiro, incentivando investimentos em gestão da demanda, armazenamento de energia, autoprodução e tecnologias de eficiência energética.
Contudo, há um risco de que setores cuja atividade é intrinsecamente inflexível — como indústrias de processo contínuo — sejam penalizados de forma desproporcional, o que pode demandar calibragens futuras no desenho da política.
O próprio adiamento do LRCAP 2025 e as discussões em andamento reforçam que o tema ainda carece de amadurecimento regulatório e técnico.
Considerações Finais
Os temas estruturais da MP 1300 revelam a profundidade da transformação proposta para o setor elétrico. A tramitação da medida no Congresso, que já soma cerca de 600 emendas, será determinante para moldar os contornos finais dessa reforma.
A correta implementação das mudanças dependerá de uma regulamentação infralegal robusta, além de acompanhamento constante por parte dos agentes do setor. Nesse cenário, detalhes que à primeira vista parecem técnicos podem gerar impactos econômicos relevantes para consumidores e empresas.
A Volt pode te ajudar a navegar por essas mudanças, compreender os riscos e aproveitar as oportunidades que surgirão. Fale com a nossa equipe!
