LRCAP 2025: Transparência Apagada
E, mais uma vez, ele está na mídia: o Leilão de Reserva de Capacidade, na forma de Potência – LRCAP 2025, notícia que inaugurou, positivamente, este ano de 2025. O assunto, sobre o qual a Volt já falou aqui, tem sido noticiado no setor de forma recorrente, dado seu sucesso na atratividade dos agentes de geração, com a habilitação, até o momento, de mais de 74 GW de potência, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), correspondente a 327 projetos cadastrados até março deste ano.
O sucesso foi tanto, que alguns excluídos foram buscar na justiça, sua possibilidade de participação no certame, tal como ocorrido no LRCAP de 2021. A habilitação no LRCAP de 2025 foi deferida liminarmente pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, sob fundamentação semelhante à de 2021: ausência de discussão prévia sobre o limite do Custo Variável Unitário (CVU), que viabiliza ou não, a participação das Usinas Termoelétricas (UTEs), bem como sobre o Fator ‘a’, que considera o nível de flexibilidade da usina e influencia a competitividade do empreendimento.
E afinal, depois de ações judiciais, o certame acabou por ser cancelado, com a previsão de abertura de consulta pública pelo Ministério de Minas e Energia (MME) para discutir as regras do leilão, inclusive o Fator ‘a’.
O motivo da exclusão
Os certames no setor elétrico brasileiro envolvem ambientes competitivos, regidos por regras claras [ao menos no papel] e por uma previsibilidade tão essencial quanto a própria energia gerada. No entanto, no LRCAP 2025, um ingrediente adicional foi adicionado à receita: a insegurança regulatória. Resultado, antes mesmo da realização do leilão: algumas usinas termelétricas – e os também os consumidores de energia elétrica [por meio da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor – Proteste] buscaram amparo no Judiciário para garantir a transparência das regras.
A questão central? A alteração do Custo Variável Unitário (CVU) teto, que caiu de R$ 2.759,29/MWh para R$ 1.711/MWh, além da inclusão do Fator ‘a’, sem discussão prévia com o mercado. Isso significa que, da noite para o dia, critérios de viabilidade econômica das usinas foram alterados, sem qualquer previsibilidade, forçando agentes a tomarem uma decisão rápida: aceitar a mudança goela abaixo ou recorrer ao judiciário.
Embora o LRCAP de 2025 tenha sido objeto de discussão prévia com o MME, que abriu, há pouco mais de 1 ano, a Consulta Pública 160/2024 (CP160/2024), a questão é que, de acordo com autoras das ações, o limite do CVU que possibilitaria ou não sua participação no leilão não foi previamente debatido, tal como a inclusão do Fator ‘a’, que influencia diretamente o preço e, por consequência, a competitividade de cada projeto.
De fato, na CP160/2024 é mencionado que “Está previsto que não serão habilitados tecnicamente os empreendimentos termelétricos que apresentem CVU superior a um valor que ainda será estabelecido, bem como aqueles empreendimentos com CVU nulo. Recomenda-se a fixação de um limite máximo para fins de habilitação técnica, de modo a impedir declarações desarrazoadas que acarretem custos desproporcionais aos consumidores finais, admitindo-se que contribuições à Consulta Pública possam orientar a definição desse valor.”
A Portaria 96/2024 do MME, publicada no início deste ano e que contém as diretrizes do LRCAP 2025, sofreu alterações 4 dias depois de publicada, introduzindo novos produtos a serem ofertados no leilão e aumentando o prazo de suprimento de 7, para 10 anos.
Na sequência, quando da publicação da sistemática do leilão e detalhamento da metodologia de precificação dos lances, por meio da Portaria 100/2025, nova alteração ocorreu, dessa vez, alterando o CVU teto para R$ 1.711/MWh, e introduzindo o fator “a”, que reflete a flexibilidade operativa das usinas termelétricas participantes. E eis os motivos da discórdia e que acabaram por culminar no cancelamento do leilão…
O que o fator “a” faz? Ele modifica o valor ofertado pela usina, ponderando o preço da disponibilidade de potência de acordo com uma nota de flexibilidade. Ou seja: quanto mais flexível a usina, menor o impacto do fator “a” no preço, tornando-a [a usina] mais competitiva no leilão.
Quanto menos flexível, maior o preço ajustado, o que pode deixá-la menos atrativa para contratação.
E o que se esconde por trás de uma alteração dessas?
No LRCAP de 2021, foram contratados 4,6 GW de potência provenientes de 17 usinas termelétricas, movidas a gás natural, óleo combustível, óleo diesel e biomassa, com início de suprimento previsto para julho de 2026.
O preço médio das contratações ficou em R$ 824.553,83/MW/ano, representando um deságio de 15,34% em relação ao preço-teto do leilão.
Também no LRCAP de 2021, a participação de algumas usinas a óleo diesel e óleo combustível só foi possível por força de liminares do STJ, pois seus CVUs superavam o limite fixado pelo MME.
Isso evidencia preocupantes decisões abruptas que acabam sendo revistas no judiciário, o que leva a questionar: não seria mais sensato, seguro e menos custoso, que decisões essenciais sejam tomadas com o devido debate prévio? Ou que as decisões sejam fundadas em dados e estudos técnicos e apresentadas já no início do processo [neste caso, quando da CP160/2024], deixando claras as limitações justificadamente definidas para a participação ou não de determinadas fontes e empreendimentos de geração.
Por isso, esse episódio, para além da discussão sobre o valor do CVU teto e da inclusão do Fator ‘a’, levanta uma questão muito mais profunda e preocupante: a imprevisibilidade. Em um setor tão intensivo em capital como o elétrico, cada decisão é tomada com base em projeções de longo prazo, que dependem de um arcabouço regulatório minimamente estável. Quando mudanças ocorrem de forma abrupta e sem qualquer diálogo, os impactos podem ser catastróficos, resultando na fuga de investidores, encarecimento da energia e, ironicamente, um custo final maior para o próprio consumidor.
É preciso refletir, portanto, sobre os custos ocultos de alterações regulatórias feitas sem transparência. A insegurança jurídica resultante gera um efeito dominó, desaguando em judicialização, atrasos e custos indiretos. Se as regras do jogo podem ser modificadas sem aviso prévio, por que um investidor alocaria seu capital em um setor tão suscetível a mudanças imprevisíveis?
O problema aqui não é a discussão sobre se o CVU teto deveria ser maior ou menor. Ou se o fator ‘a’ é justo, injusto ou correto. A verdadeira questão é: qual o custo de tomar decisões cruciais sem debate transparente? A resposta já está aí: a judicialização do setor cresce, e a previsibilidade, essencial para novos investimentos, despenca.
O setor elétrico brasileiro precisa de modernização, mas isso não pode vir acompanhado de soluções improvisadas que colocam em risco sua própria sustentabilidade. Que o LRCAP 2025 sirva de alerta para que as futuras decisões sejam tomadas com mais transparência e previsibilidade. Caso contrário, continuar-se-á correndo atrás do prejuízo, judicializando o que poderia – e deveria – ter sido resolvido na esfera regulatória, com ampla discussão prévia.
Confira esse e outros artigos sobre o Setor Elétrico e a Tarifa de Energia no Portal de Insights da Volt Robotics.
