Ainda o GSF… liminares e um leilão para chamar de seu. O novo capítulo da repactuação do risco hidrológico
A nova sistemática busca solucionar passivo bilionário do Setor Elétrico Brasileiro.
No setor elétrico brasileiro, poucas siglas provocaram tanto movimento quanto o GSF – Generation Scaling Factor. Criado para compartilhar os riscos hidrológicos entre os agentes participantes do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), o GSF ainda é sinônimo de judicialização, incerteza e desequilíbrio nas liquidações do Mercado de Curto Prazo (MCP) da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Mas, como toda boa novela, parece que o drama caminha para seu desfecho. Ou ao menos, para um novo capítulo mais promissor. O Ministério de Minas e Energia (MME) colocou em consulta pública ‘relâmpago’ – com prazo para contribuições de cinco dias – a proposta de uma Portaria que regulamenta o ‘leilão de passivos do GSF’, mecanismo concorrencial centralizado para dar fim, de forma negociada, aos montantes não pagos no MCP por força de liminares.
O mecanismo concorrencial foi definido pela Medida Provisória 1300/2025 que, além da proposta de Reforma Setorial, trouxe a proposta para uma solução ao passivo bilionário que o GSF ainda carrega.
De onde viemos
O passivo judicial do GSF não é novidade. Desde 2015, diversas usinas buscaram mitigar os efeitos do GSF, por meio de ações judiciais que perduram até hoje. O resultado é um mercado com mais de R$ 1,1 bilhão não pagos. Pior: ainda são algumas dezenas de ações judiciais ativas que acabam por gerar outras medidas judiciais, seja para pedir preferência no recebimento de créditos, seja para não ser afetado pelas ações judiciais das quais não faz parte.
São ações judiciais, por causa de outras ações judiciais. Em outras palavras: uma bola de neve jurídico-financeira que afeta a liquidez e o adimplemento no MCP, impactando todo o mercado de energia elétrica.
Mesmo com a repactuação do risco hidrológico, via extensão de outorga, viabilizada pela Lei nº 13.203/2015 e suas atualizações, parte das usinas – especialmente pequenos geradores [CGHs e PCHs] – não aderiram às soluções anteriores. Mas o novo leilão também acaba por atrair outro público, todas os outros geradores hídricos do MRE, que podem viabilizar a liquidação do passivo do GSF e ainda ganhar mais tempo de atividade. É dar o seu lance…
A solução proposta: como vai funcionar?
A sistemática, prevista no art. 2º-E da Lei nº 13.203/2015, incluído pela MP nº 1.300/2025, propõe que os valores judiciais não pagos no MCP sejam convertidos em títulos negociáveis. Esses títulos serão ofertados em leilão conduzido pela CCEE, e poderão ser adquiridos por geradores hidrelétricos participantes do MRE. O pagamento dos lances será revertido à quitação dos débitos no MCP, e os compradores serão compensados com a extensão do prazo de outorga, limitada a 7 anos.
Claro, há condições. Os titulares dos valores a serem negociados devem desistir das ações judiciais e renunciar aos respectivos direitos. E, para garantir segurança a todos, a eficácia da renúncia só se dá após a completa liquidação dos valores devidos.
Principais Aspectos
- Objeto da negociação: títulos vinculados aos débitos judiciais no MCP.
- Elegibilidade: apenas geradores hidrelétricos do MRE poderão comprar.
- Lances vencedores: maior preço por título, com pagamento imediato na liquidação do MCP subsequente.
- Compensação: extensão da outorga com base nos parâmetros já utilizados pela ANEEL [REN 684/2015, atualmente, revogada e consolidada na REN 1009/2021].
- Desistência da ação: obrigatória e com comprovação processual.
- Excedente: se houver mais pagamento do que dívida, vai para a Conta de Desenvolvimento Energético – CDE.
O que está em jogo?
De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), os valores protegidos por liminares representam cerca de 38% do total liquidado mensalmente no MCP. A depender do sucesso do leilão, não só esse passivo poderá ser resolvido, como também poderá enfraquecer outras ações judiciais em curso, como as que pleiteiam pagamento preferencial na ordem de liquidação ou compensações indiretas no MRE.
E mais: além de mitigar riscos financeiros, a medida restaura a previsibilidade e a governança regulatória. É como reabrir a janela para o mercado olhar o futuro com mais confiança — e menos planilhas de inadimplência.
E os riscos?
Como toda boa política pública, a proposta depende da adesão dos agentes que, por sua vez, depende do quanto os agentes estão dispostos a pagar para ter mais tempo de concessão. E, claro, da tradicional execução técnica impecável por parte da CCEE e da ANEEL. A governança do processo, a clareza dos critérios e a efetividade das compensações via extensão de outorga serão determinantes para o sucesso. Não há dúvidas de que o conteúdo é sólido; o desafio está no operacional.
Avaliação final: um bom movimento na direção certa
A proposta não é perfeita, mas, convenhamos, nenhuma tentativa de resolver um imbróglio jurídico de quase uma década será. Ainda assim, o mecanismo concorrencial representa um avanço pragmático, juridicamente embasado, economicamente viável e setorialmente oportuno.
Para os agentes, o recado é claro: chegou a hora de fazer as pazes com o passado e investir no futuro — com menos liminares e mais megawatts.
Na Volt Robotics, acompanhamos de perto a evolução regulatória do setor elétrico. Analisamos impactos, identificamos riscos e propomos estratégias com base em dados, modelagens robustas e experiência técnica. Conte conosco para entender como o leilão de passivos do GSF pode afetar seu negócio — e para aproveitar as oportunidades que surgem no horizonte.
