Uma Avaliação Qualitativa da Reforma do Setor Elétrico
O Ministério de Minas e Energia anunciou sua proposta legislativa para realizar uma reforma setorial, baseada em três pilares principais: Justiça Tarifária, Liberdade para o Consumidor e Equilíbrio para o Setor.
Normalmente, propostas estruturantes e transformadoras alteram o status quo e todos os agentes da cadeia de valor (geradoras, distribuidoras, comercializadoras, consumidores, autoprodutores etc.) sentem as suas consequências diretas.
Assim, o sucesso de uma proposta legislativa depende fundamentalmente de um grande número de agentes sentirem mais ganhos do que perdas, criando a solidez necessária para que o texto passe pelo Congresso Nacional, sem que os pilares percam seus prumos.
Vamos analisar qualitativamente os principais pontos propostos e identificar as consequências sobre os diferentes agentes, separando-os nas seguintes categorias, ilustradas na Figura 2:
· Geradores Convencionais: grandes usinas que vendem energia a distribuidoras, comercializadoras e clientes finais, sem descontos associados ao uso da rede.
· Geradores Incentivados: usinas de menor porte que vendem energia principalmente para comercializadoras e clientes finais, com descontos associados ao uso da rede.
· Distribuidoras: empresas que constroem, mantêm e operam as redes que atendem aos consumidores finais de todos os portes.
· Comercializadoras: empresas que compram energia e a vendem aos consumidores finais, a outras comercializadoras e até mesmo a outros geradores.
· Consumidores Pequenos: consumidores residenciais, comerciais, industriais e rurais que são conectados à rede de baixa tensão.
· Consumidores Grandes: consumidores industriais e grandes consumidores comerciais ligados à rede de média e alta tensão, incluindo os autoprodutores.
Abertura do Mercado Livre
A Proposta Legislativa do MME determina que, a partir de 2027, todos os consumidores industriais e comerciais poderão escolher os seus fornecedores de energia, e a partir de 2028, a liberdade de escolha se estende aos demais consumidores, incluindo os residenciais.
A liberdade de escolha possibilitará que o consumidor negocie a fonte de energia que deseja, prazos contratuais, as condições de reajuste e até outros serviços associados.
Ao deixar de comprar energia das distribuidoras, que possuem ofertas caras devido à compra compulsória de energia em dólar (Itaipu), de energia de termoelétricas e mesmo de contratos muitos longos (até 30 anos) com correção pela inflação, espera-se uma redução de custos entre 8% e 16%.
Atualmente, as distribuidoras com os custos de energia mais caros são a Amazonas Energia, a Light e a Neoenergia Brasília[1]. As com os custos de energia mais baratos incluem a Enel Ceará, a Equatorial Maranhão e a Enel São Paulo.
A Abertura do Mercado Livre cria oportunidades para Comercializadoras de energia, que terão muito mais clientes a serem atendidos (o mercado se expande de 200.000, para cerca de 80 milhões de consumidores) e para os Geradores Convencionais, que apresentam sobras de energia e verão seus mercados ampliados.
Assim, os grandes ganhadores da Abertura do Mercado Livre são indicados na Figura 3, com estrelinhas sob seus ícones.
Rateio Abrangente de Encargos
A Proposta Legislativa do MME determina que vários custos sistêmicos e subsídios, hoje custeados majoritariamente pelos Consumidores Pequenos, sejam rateados entre todos os consumidores, incluindo aqueles do Mercado Livre.
Esses custos sistêmicos incluem a sobrecontratação das distribuidoras, a energia das usinas nucleares e subsídios dados às distribuidoras para compensar as perdas com a expansão da geração distribuída. Somados, esses custos representam atualmente cerca de R$ 3,5 bilhões por ano, com perspectiva de crescimento rápido nos próximos anos, chegando a R$ 10 bilhões em 2030.
Adicionalmente, a Proposta Legislativa do MME propõe que a maior conta de encargos setoriais atualmente existente, a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que supera R$ 40 bilhões em 2025, seja rateada igualmente entre todos os consumidores. Na forma atual, os Consumidores Pequenos assumiriam uma parcela cada vez maior deste encargo até 2030.
Ao ratearem os custos com mais consumidores, os grandes ganhadores em função das medidas de Rateio Abrangente de Encargos são os Consumidores Pequenos, que ganham mais uma estrela, tal como indicado na Figura 4.
Observe que quem também ganha mais uma estrela são as distribuidoras, pois a Proposta praticamente blinda as distribuidoras dos efeitos de sobra de energia no caso de os consumidores migrarem para o Mercado Livre, além ampliar a base de consumidores que suportam a energia nuclear e o subsídio da Geração Distribuída.
Novas Modalidades Tarifárias
A Proposta Legislativa do MME cria a possibilidade de as distribuidoras ofertarem modalidades tarifárias modernas a todos os consumidores, incluindo:
· Tarifas diferenciadas por horário, em que o valor da energia pode ser mais barato durante as manhãs, quando há muita geração solar, e mais cara durante o fim de tarde, quando há picos de consumo.
· Tarifas multipartes, em que o consumidor pode pagar uma parcela fixa mensal, uma parcela associada ao consumo máximo (demanda) e outra associada à energia.
· Tarifas diferenciadas para as áreas de elevada complexidade social.
· Tarifas diferenciadas em função de localidade, qualidade ou outros critérios técnicos.
Essa Proposta está em linha com os Sandboxes Tarifários promovidos pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, com mais informações disponíveis em https://sandboxestarifarios.com.br.
Ao dar opções tarifárias para todos os consumidores, os grandes ganhadores em função das medidas de Novas Modalidades Tarifárias são os Consumidores Pequenos e as Distribuidoras.
De forma indireta, se beneficiam também as Comercializadoras, pois tarifas diferentes significam a oportunidade de ofertas de produtos e serviços inovadores para os seus clientes. As estrelas são indicadas na Figura 5.
Fim dos Descontos aos Consumidores de Fontes Incentivadas
A Proposta Legislativa do MME estabelece o fim do desconto dado aos Grandes Consumidores (alta e média tensão) quando adquirem energia de fontes incentivadas, incluindo as Pequenas Centrais Hidroelétricas, as usinas a Biomassa, as usinas Solares e as usinas Eólicas, dentre outras.
Os descontos atuais continuam válidos durante os prazos dos contratos de compra de energia que estão vigentes, mas deixam de existir para novos contratos.
Em 2025, esses descontos somam aproximadamente R$ 13 bilhões, sendo pagos majoritariamente por Consumidores Pequenos. Assim, ao estabelecer o fim progressivo desses descontos, os grandes ganhadores em função da medida de Fim dos Descontos aos Consumidores de Fontes Incentivadas são os Consumidores Pequenos, que ganham mais uma estrela, tal como indicado na Figura 5.
Redesenho da Tarifa Social de Energia Elétrica
A Proposta Legislativa do MME estabelece novas formas de aplicação da Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE), aplicada aos Consumidores Pequenos cadastrados no CadÚnico[2] e que possuem renda familiar per capita de até meio salário-mínimo.
Atualmente, os descontos são aplicados por faixa de consumo. Com a Proposta Legislativa, passa a existir uma gratuidade do consumo mensal de até 80kWh. Com esta medida, os subsídios da TSEE, que somam aproximadamente R$ 6 bilhões em 2025, serão elevados para cerca de R$ 11,5 bilhões.
Adicionalmente, as famílias que fazem parte do CadÚnico, mas com renda per capita entre meio e um salário-mínimo, passarão a ter uma tarifa especial, em que não pagarão pelo encargo da CDE, criando um subsídio adicional de R$ 1,5 bilhão.
Esta medida favorece os consumidores enquadrados na TSEE, que são Consumidores Pequenos, porém os custos acabam recaindo para os demais Consumidores Pequenos e para os Consumidores Grandes. Com essas idas e vindas de custo, fica difícil atribuir estrelas de grandes ganhadores.
Como se trata de um Programa Social, o ideal seria que os custos da TSEE fossem arcados pelo Tesouro Nacional, e não pelos demais consumidores.
Desjudicialização do Risco Hidrológico
A Proposta Legislativa do MME estabelece um mecanismo competitivo para a Desjudicialização do Risco Hidrológico. A proposta estabelece um processo competitivo que, em troca do pagamento das obrigações dos geradores no Mercado de Curto Prazo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, oferece a oportunidade de extensão do prazo do Contrato de Concessão dos geradores hidroelétricos.
É uma medida mais restrita aos geradores hidroelétricos, mas é inovadora e permite a solução de um problema relevante por meio de um mecanismo de mercado. Os grandes ganhadores com esta medida são os Geradores Convencionais.
Resumindo…
A Proposta Legislativa apresentada pelo MME representa grandes benefícios para os Consumidores Pequenos, que tendem a ter uma redução no custo da energia entre 8% e 16%.
As medidas propostas também criam oportunidades relevantes para as Comercializadoras e os Geradores Convencionais, além de blindar os efeitos das medidas sobre as Distribuidoras.
Por outro lado, a Proposta Legislativa eleva em 7% a 12% os custos para os Grandes Consumidores (indústria e comércio), e retira a vantagem dos descontos dados aos consumidores que adquirem energia dos Geradores Incentivados.
As discussões estão só começando, e há alguns temas relevantes que não entraram no debate, como a Governança Setorial, indicada pelos agentes como prioridade número um na Agenda FASE (www.agendafase.com.br).
Outro tema muito importante e que ficou de fora foi a Formação de Preços, indispensável para trazer sinais econômicos eficientes ao Setor Elétrico.
Quer saber como as mudanças setoriais podem impactar o seu negócio? Quer avaliar riscos e oportunidades? Preparamos um Workshop específico que pode ser realizado na sua empresa. É só enviar uma mensagem para reformasetorial@voltrobotics.com.br.
[1] Estudo de tarifas realizado pela Volt.
[2] Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico.
